Pesquisar este blog

A FILHA DE MARIA ANGU - ATO II - CENA I

ATO SEGUNDO
Sala muito rica. Portas laterais e ao fundo. Candelabros com luzes.

Cena I
Cocotes, sentadas aqui e ali; entre elas Cidalisa, Leonor, e Mademoiselle X; Sampaio, de pé, depois, Chica Valsa.

CORO DE COCOTES - É decerto muito engraçado
O que acaba de nos contar!
Realmente faz espantar
O poder de um subdelegado,
Que até mesmo pode matar!
Se bem que em lugar afastado
Se desse o caso singular,
É decerto muito engraçado
O que acaba de nos contar!
SAMPAIO - Pois é verdade, minhas senhoras; foi assim que o caso se passou, em plena praça, e com uma rapariga que ia casar naquele dia!
LEONOR - Na roça dão-se coisas!
MADEMOISELLE X - C'est incroyable!
CIDALISA - Mas que escândalo!...
SAMPAIO - Não há como ser subdelegado lá fora! Faz-se o que se quer, e mais alguma coisa!
CHICA VALSA (Entrando.) - Seu Sampaio, veja se fala de outra coisa. Não há mais assunto para a conversa senão a sua subdelegacia?
SAMPAIO - Lá na freguesia eu posso quero e mando! Um vagabundo, vendo que aqui na Corte não arranjava farinha, arvorou-se em redator de gazeta, foi para lá, e fundou um pasquim, o Imparcial.
CHICA VALSA (À parte.) - É ele!
SAMPAIO - O patife embirrou comigo, e toca a dar-me bordoada. Tenho apanhado como boi ladrão. No último número descobriu os meus amores aqui com a Chiquinha...
CHICA VALSA (À parte.) - Deveras? (Alto.) Se você não fosse se gabar lá na roça do que faz aqui na cidade...
SAMPAIO - Eu gabar-me! Por meu gosto ninguém o sabia! Tenho três filhas solteiras!
CIDALISA - Adiante.
SAMPAIO - O tratante descobriu também que eu ia todas as noites jogar o vira-vira em casa de Lopes Boticário, e pôs-me a calva à mostra. Se eu não tivesse autoridade e se não tivesse dinheiro, estava a estas horas desmoralizado!
MADEMOISELLE X - C'est incroyable!
SAMPAIO - Mas que fiz eu? Proibi a leitura do Imparcial em público sob pena de cadeia!
TODAS - Oh!...
SAMPAIO - Depois encontrei o troca-tintas a jeito e, vendo que com a cadeia nada arranjava (pois já o tinha mandado prender meia dúzia de vezes) prometi-lhe cinco contos de réis para acabar com o pasquim e bater a linda plumagem.
CHICA VALSA - E ele aceitou essa proposta?
SAMPAIO - Aceitou, mas depois disso já saiu mais um número do jornaleco... e até essa data ele ainda não foi buscar os cobres.
CHICA VALSA(À parte.) - Pois Bitu faria isso? (Alto.) Então? Joga-se ou não se joga hoje?
MADEMOISELLE X - Mais, dame! Le rende-vouz est à minuit!
SAMPAIO - O meu escrivão foi prevenir os parceiros para a meia- noite. O Sota-e-ás incumbiu-se de trazer mais alguns.
CHICA VALSA - O diabo é a polícia... Moramos num lugar tão público! Para evitar suspeitas, lembrei-me de iluminar a casa para um baile, como estão vendo.
SAMPAIO - É o diabo! os morcegos não dormem!
CHICA VALSA - Tive outra lembrança. Os sujeitos que vêm cá jogar são muito conhecidos da polícia. Preveni-lhes que trouxessem barbas postiças e casacões. Com os senhores urbanos é preciso muita cautela.
MADEMOISELLE X - C'est incroyable!
CHICA VALSA - São finos como lã de cágado!

Coplas

CHICA VALSA - Respeitai os senhores urbanos!
CORO - Os urbanos!
CHICA VALSA - Não são pra graça tais maganos;
Tem olho vivo, espertos são,
E contra nós, paisanos,
Em guarda sempre estão!

I

- Como um corcel bem ardido a galope.
A morcegada avante vai!
Ninguém com ela tope,
Porque por terra cai!
Se acaso encontra uma senhora,
Bem pouco se lhe dá! esteja muito embora!
Aqui é cutilada!
Ali é pescoção!
Pontapé! Cabeçada!
Cachaça! Bofetão!
CORO - Respeitai os senhores urbanos, etc.

II
CHICA VALSA - Já não se pode estar tranqüilamente
Jogando numa reunião:
Na sala de repente
Os morcegos estão!
Abre de par em par a porta
A morcegada, e investe, arranha, fere e corta!
Uns correm pr'este lado
E os outros para ali!
Metida em tal assado
Mais de uma vez me vi!
CORO - Respeitai os senhores urbanos, etc.