Pesquisar este blog

A FILHA DE MARIA ANGU - ATO II - CENA III

Cena III
Os mesmos, Barnabé

BARNABÉ - Com licença, minha senhora... Desculpe... é que...
SAMPAIO (À parte) - Valha-me Nossa Senhora! É o barbeiro lá da freguesia! (Escondendo-se atrás de uma cadeira.) Vem atrás da noiva. Não há que ver!
CHICA VALSA - Quem é este homem? que deseja?...
BARNABÉ - Minha senhora... preciso falar-lhe... eu... minha noiva...
CHICA VALSA - Tome fôlego, senhor!
SOTA - Como ei tem os cabeios eiçados!
CHICA VALSA - E o olhar esgazeado!
TODOS - Fale! fale!
SAMPAIO (À parte.) - Estou metido em boas!
BARNABÉ - Se tenho os cabelos esgazeados e o olhar eri... não!... o olhar esgazea... não...
CHICA VALSA - Veja lá no que fica!
BARNABÉ - É que me sucedeu uma grande desgraça!...
CHICA VALSA - E que tenho eu com isso?
BARNABÉ - Ia casar-me com um anjo que adorava, e...
CHICA VALSA - E foi traído?
BARNABÉ - Por ora não; mas ouça: no próprio dia de nosso casamento, ela foi presa por ler uma gazeta que se imprime lá na freguesia, apesar de estar proibida a leitura pelo subdelegado. No outro dia quiseram soltá-la e não a encontraram mais na prisão. O escrivão do juiz de paz, a quem costumo ir aos queixos, contou-me tudo: minha noiva fugiu aqui para a Corte em companhia do senhor subdelegado.
CHICA VALSA - Mas de onde é o senhor?
BARNABÉ - Eu sou de Maria Angu!
CHICA VALSA - E o subdelegado chama-se?
BARNABÉ - Chama-se Seu Sampaio;
CHICA VALSA - Ah!
BARNABÉ - Ora, como O senhor subdelegado, sempre que vem à Corte, hospeda-se em sal casa, eu vim pedir-lhe, Senhora Dona, que...
SAMPAIO (À parte.) - Estou arranjadinho...
BARNABÉ - Oh! se a senhora conhecesse a minha noiva... É tão inocente, coitadinha... Acredite que não fez aquilo por mal.
Romance
I
- Ela é muitíssimo inocente!
Supôs que não fizesse mal,
E pôs-se a ler o Imparcial
Pra que o ouvisse toda a gente!
Não julgou ser coisa imprudente
Em alta voz ler um jornal,
De mais a mais imparcial!
Ela é muitíssimo inocente!

II

- Ela é muitíssimo inocente;
Tem bem formado o coração;
Não tinha visto a proibição.
E foi filada incontinente!
Dói-me bastante vê-la ausente,
Porém não devo recear
Que alguém ma possa conquistar!

Ela é muitíssimo inocente!


CHICA VALSA - Muito bem! Onde está o Senhor Sampaio? (Vendo- o.) Que faz aí escondido? Venha, que temos contas a ajustar! (Sampaio sai do seu esconderijo.)
SOTA - C'est bon ça... c'est bon ça...
BARNABÉ - (Vendo Sampaio.) - Olé! Vai dar-me contas de minha noiva! (Avança.)
SOTA (Suspendendo-o.) - Não se deite a pedê!
SAMPAIO (Atrapalhado.) - Espere, senhor! Vou explicar-lhe tudo. (À parte.) Esta gente não entende de justiça: posso mentir a meu gosto. (Alto e arrogante.) Nós somos subdelegado, entendem? Muito bem! A noiva deste senhor leu publicamente um jornal cuja leitura havíamos por bem proibir entendem? Tratava-se de uma menor branca e de bons costumes...
BARNABÉ - Eu arrebento!
SOTA - Não aebente!
SAMPAIO - O código não previne este caso..
BARNABÉ - Eu é que o previno de que...
SOTA - Não se deite a pedê. É a poícia que tá faiando. (A Sampaio) Continue a poícia...
SAMPAIO - Nós, como tínhamos que vir para a Corte, trouxemos a presa conosco.
BARNABÉ - Nós quem?
SAMPAIO - Nós eu! Quando a autoridade fala, é nós!
CHICA VALSA - Adiante!
SAMPAIO - Trouxemo-la conosco... e temo-la em depósito... Vamos apresentá-la ao chefe de polícia. (À Parte.) Foi bem sacada!
CHICA VALSA - Sabe que mais? Vá buscá-la!
SAMPAIO - Hein?
CHICA VALSA - Bem te conheço, quaresma mas não posso jejuar! Como o senhor, contando-nos a prisão dessa moça, não nos disse que a tinha trazido? Ande! vá buscá-la! (A Barnabé.) Você volte logo.
BARNABÉ - E a senhora promete-me?...
CHICA VALSA - Sim, sim, mas volte logo!
BARNABÉ (Já risonho.) - Então vou ver as figuras de cera na Guarda- velha, e volto.( Vai saindo e dá um encontrão em Sampaio.)
SAMPAIO - Irra!... (Atira-o sobre Sota-e-ás.)
SOTA (Empurrando-o.) - Passa f´óia!
BARNABÉ - Perdoem! (Sai.)
CHICA VALSA - Esta rapariga é bonita?
SAMPAIO - Fazenda.
CHICA VALSA - Foi um achado. Vá buscá-la.
SAMPAIO - Mas...
CHICA VALSA - Não ouve? Nós o queremos!
SAMPAIO - É que...
CHICA VALSA - Eu também sou autoridade!... eu também sou nós!...
SAMPAIO - Eu vou... eu vou... (Sai.)
CHICA VALSA - Seu Sota, você hoje tem ocasião de falar ao Barão de Anajámirim?
SOTA - Tavez
CHICA VALSA - Diga-lhe que pode vir ver aquilo de que falamos. Olhe, vá procurá-lo. Adeus, até a meia noite. Não falte!
SOTA - Vou num puio! Como um zéfio!... (Antes de sair, dirige-se à Mademoiselle X e dá-lhe um pequeno embrulho.) O Amará lhe manda esse presente. Vem uma catinha dento. Adieu! Adieu! (Sai dançando.)
CHICA VALSA (Às cocotes.) - Vocês por que não vão até o jardim do cassino que é tão perto? Ainda é cedo; até as onze e meia há tempo para fintar um paio.
LEONOR - Ou mesmo dois! (Às outras.) Vamos?
TODAS - Vamos! Até logo..