Pesquisar este blog

A FILHA DE MARIA ANGU - ATO III - CENA V

Cena V

Os mesmos, Clarinha

SAMPAIO - Ninguém.
BARNABÉ - Ninguém também por este lado...
CLARINHA (À parte.) - Hein?...
SAMPAIO - Este meu disfarce não o admira?
BARNABÉ - Decerto...
SAMPAIO - Pois foi sua noiva quem me aconselhou que o arranjasse.
BARNABÉ - Clarinha?
CLARINHA (À parte.) Meu nome?...
SAMPAIO - Ela escreveu-me...
BARNABÉ - A Vossa Senhoria?...
SAMPAIO - Para dizer-me e provar-me que Chica Valsa me engana... Agora não vá dar com a língua nos dentes... Eu sou viúvo e tenho três filhas solteiras...
CLARINHA (À parte.)- É o Sampaio! E o Barnabé solto!
BARNABÉ - Mas Clarinha não está presa? Não está embrulhada nestes negócios da leitura do Imparcial?
SAMPAIO - Não, tolo: a Clara não está embrulhada...
BARNABÉ - Esta embrulhada é que não está clara!
SAMPAIO - Foi ela que lhe arranjou aquela prisão; que lhe meteu a pulseira no bolso!
BARNABÉ - Ela!...
SAMPAIO - Queria desfazer-se de você!

BARNABÉ - De mim?!
SAMPAIO - Aqui para nós, que ninguém nos ouve: aquela sua noiva não é lá muito boa peça...
CLARINHA (À parte.) - Ah!
BARNABÉ - Clarinha! um anjo de inocência e de candura!
SAMPAIO - Você é um bolas seu Barnabé!
BARNABÉ - Chame-me Vossa senhoria o que quiser... para mim é o mesmo... mas não diga mal da pobrezinha! Hei de defendê-la, enquanto puder, contra tudo e contra todos!
SAMPAIO - Que lhe faça bom proveito!
BARNABÉ - Ela! Tão bonita, tão boa, tão amável, tão honesta!
CLARINHA (À parte.) - Pobre rapaz!
SAMPAIO - E se eu lhe provar que ela está cá?
BARNABÉ - Ela quem? Clarinha? Aqui?!..
SAMPAIO - Olhe, ouça: vamos percorrer a festa, e, se a encontrarmos, desejo que ela não me conheça. Quero observá-la a fim de saber com que fim me escreveu...
CLARINHA (À parte.) - Ah! tu não queres ser conhecido. (Vai-se.)
BARNABÉ - Ela? Ela? decididamente fico idiota!
SAMPAIO - Siga-me, digo-lhe eu: mas, quando a virmos, não fale. Evitemo-la, sem
a perder de vista. (Clarinha cantarola no bastidor.) Uma voz de mulher! BARNABÉ - Ai! meu Deus!
SAMPAIO - Quem é?
BARNABÉ - É ela! É ela!
SAMPAIO - Ela!... (Levando-o para um canto.) Deixemo-la passar! (Clarinha entra, sempre cantarolando, e, depois de percorrer o fundo, aproxima-se dos dois e finge que se assusta.)
CLARINHA - Ui! Os senhores meteram-me um susto!
BARNABÉ - Pois quê! É ...
SAMPAIO (Dando-lhe um empurrão.) - Cale-se!
CLARINHA - Ah! desculpem... não os conheço. Estão aqui para a grande questão, não é assim?
SAMPAIO (Disfarçando a voz.) - Que questão?
CLARINHA - Trata-se de mim...
SAMPAIO - Ah! trata-se da senhora?
CLARINHA - De mim, Clarinha Angu.
BARNABÉ (À Parte.) - E como está vestida!
SAMPAIO - Ah! a senhora é...
CLARINHA - Imagine o senhor que me queriam casar com um homem, oh! um homem de bem, às direitas...
BARNABÉ (À parte.) - Ah!
CLARINHA - mas tolo...
BARNABÉ (À parte.) - Eh!
CLARINHA - Um coração invejável, um caráter como poucos...
BARNABÉ (À parte.) - Ih!
CLARINHA - Um bom rapaz, enfim...
BARNABÉ (À parte.) - Oh!
CLARINHA - Mas, como já disse, tolo o que se pode chamar tolo!...
BARNABÉ (À parte.) - Uh!

Terceto

CLARINHA - Está na conta o Barnabé
Para ser irmão ou amigo;
Porém meu ideal não é...
Não há de se casar comigo!
BARNABÉ - Céus! ela o que dizendo está!
SAMPAIO - Je comprends ça, je comprends ça!
CLARINHA - Muito me custa vê-lo aflito,
Mas eu a outro amava já...
BARNABÉ - A outro!
CLARINHA - Muito mais bonito!
SAMPAIO - Je comprends ça, je comprends ça!
BARNABÉ - Ah, meu Deus! cambaleio!
No chão vou já cair!
CLARINHA - Mas o meu namorado, creio,
Está pensando em me trair
Aí está o mistério
Que devo desvendar!
É esse o caso sério
Que tem-me feito suar!
OS TRÊS - Aí está o mistério
{deve
Que { desvendar!
{devo
É esse o caso sério
{ me
Que { tem feito suar!
{ a
CLARINHA - Sabem vocês quem é a Chica Valsa,
Que vive os homens a enganar?
BARNABÉ - Sim, eu...
SAMPAIO - Não sei.
CLARINHA - Foi uma amiga falsa,
Mas eu a vou desmascarar:
Certo amante muito arruinado
Cedeu lugar ao macacão
Sampaio, o tal subdelegado...
SAMPAIO - Ao macacão!
BARNABÉ (À parte.) - Toma lá, meu vilão!
CLARINHA - O macacão tudo lhe dá,
Mas a Chica é mulher leviana:
Com o seu antigo amante, olá!
O s'or subdelegado engana!
SAMPAIO - Céus! ela o que dizendo está!
BARNABÉ - Je comprends ça, je comprends ça!

CLARINHA - Essa mulher da pá virada
Eu sei que considera já
O Sampaio um paio e mais nada!
BARNABÉ - Je comprends ça, je comprends ça!
Ah, meu Deus! cambaleio!
No chão vou já cair!
CLARINHA - É co meu namorado, creio,
Que a Chica os eu conta iludir!
E aí está o mistério, etc.
SAMPAIO (Tirando as barbas.) - Olá! eu sou o subdelegado!
CLARINHA - Já disso sei!
SAMPAIO - Já sabe então?
CLARINHA - Olé!
BARNABÉ - E eu cá sou...
CLARINHA - O Senhor Barnabé.
BARNABÉ - Sabia então?
CLARINHA - Ora se não!
SAMPAIO - Vingança eu vou tomar!
CLARINHA - Vai tudo transtornar!
Daqui afastemo-nos já!
(Sobe ao fundo.)
Céus! Bitu que ali está!
OS DOIS - Bitu!
CLARINHA (Descendo.) - Vingança!
Vingar-me é a minha esperança
Pra vingar-me um belo dia
Desse grande lheguelhé,
Eu capaz até seria...
(A Barnabé.) De casar-me com você!
Venham cá!
Venham já!
Vocês vão conhecer-me,
E dizer-me
Depois,
"Tens talento por nós dois"!
OS DOIS - Vamos lá
Vamos já!
Vamos lá conhecê-la
E dizer-lhe depois
"Tens talentos por nós dois!"
(Saem)