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A FILHA DE MARIA ANGU - ATO I - CENA IV

Cena IV
Os mesmos, menos Clarinha e Babu

GUILHERME - Vamos! Desembuche! Que há de novo?
TODOS - Fale! Fale!
BOTELHO - Vamos, senão rebento!
BARNABÉ - Estou em brasas!
CHICA - Lá vai rapazes! Sabem vocês que nos metemos em boas?
CARDOSO - Quais boas, homem?
CHICA - Quando a defunta Maria Angu morreu, pobre que nem Jó, ela que tinha tanto dinheiro, e deixou no mundo uma filhinha que, com a graça do Senhor, nasceu no Hotel Ravot, lá na Corte...
TODOS - Sim, sim! E que mais?
CHICA - Não estivemos com meias medidas, hein? Dissemos todos a uma: Já que a pequena não tem pai, nem mãe, há de ser filha da gente cá da fábrica! Foi dito e feito, rapazes! Vocês ficaram sendo pais (Às mulheres.) e nós, mães! Ora aí está!
TERESA - Até aí morreu o Neves.
GUILHERME (Meio triste.) - Mas para que diabo vir cá lembrar essas coisas?
CHICA - Essas coisa pouco têm que ver com o que lhes quero contar. O caso é que trasantontem fizemos uma grande asneira. TODOS - Uma asneira!
CHICA - Para podermos casar a pequena, como não havia certidão de idade, fomos ao Senhor Vigário e declaramos que ela era filha do Alferes Angu e de sua mulher, Dona Maria Ernestina de Carvalho Angu.
TODOS - E daí?
CHICA - Daí que a pequena tem vinte anos e há vinte e dois que o Alferes Angu deu a casca!
CARDOSO - Nem tal nos passou pela cabeça!
BOTELHO - Mas havia de passar pela do alferes...
CHICA - Não me interrompam! Ontem mandaram uma carta anônima à comadre do Senhor Vigário, dizendo que a Clarinha entrou neste mundo dois anos depois que o pai saiu.
BARNABÉ - Que é lá isso? Então minha noiva não é filha do seu pai? De quem então é ela filha?
CHICA - Valha-me Nossa Senhora! Não há de ser do outro senão daquele sujeito rico que lhe dava cama e mesa no Hotel Ravot.
BARNABÉ - A quem? Ao pai de minha?...
CHICA - Não: à mãe... Era um barão muito rico!
BARNABÉ - Quem?... a mãe?...
CHICA - Não: o pai!
BARNABÉ - O pai da minha noiva, um barão! Que honra, meu Deus! que honra para um barbeiro sangrador! Ó seu Botelho, o pai, sendo barão a filha que vem a ser?
BOTELHO - Baroa!
CARDOSO - Continue, tia Chica Pitada. Que tem a comadre do Senhor Vigário com o que nos acaba de contar?
CHICA - A comadre nada; mas diz o Senhor Vigário que é preciso por força arranjar-lhe outro pai.
TODOS - Ah!
BOTELHO - Se o noivo estiver pelos autos!
BARNABÉ - Eu? ora essa! Não me caso com o pai, caso-me com a filha!
GUILHERME- E podes levantar as mãos para o céu! Aquilo é mesmo uma tetéia!
GAIVOTA - Nós, que lhe servimos de pai e mãe, não olhamos as despesas para dar-lhe uma educação esmerada. CARDOSO- Foi criada como uma marquesa!
CHICA - Podes dizer uma princesa, porque o foi no colégio das irmãs de caridade.
GUILHERME - Razão pela qual ficou com um ligeiro sotaque francês que lhe dá muita graça. TERESA - E que juizinho o dela! Como é modesta... inocente!...
BARNABÉ - Oh! lá inocente é ela! Por isso meto eu as mãos no fogo!
CARDOSO - E ainda te queixas?
BARNABÉ - Tão inocente que não se atreve nem a olhar para mim que sou seu noivo!
CHICA - Que diferença entre mãe e filha!
BARNABÉ - É verdade: vocês que conheceram como as palmas das mãos essa famosa Maria Angu, que deu nome a esta freguesia, digam-me: é verdade tudo o que contam a seu respeito?
CHICA - Se é verdade? Ora essa! Ouve lá, meu rapaz!...


Coro
I
- Na fábrica do Pinho

Ainda a encontrei
Era um santo Antoninho,
Onde é que te porei!
Se acaso lhe tocava
Algum sujeito, zás!
(Deita as mãos nas ilhargas.)
Aqui as mãos botava
E agora vê-lo-ás!
Arrogante,
Petulante,
tendo uns cobres no baú,
Respondona,
Gritalhona,
- Era assim Maria Angu!
CORO - Arrogante, etc.;

II
CHICA - Andou por Sorocaba
Por Guaratinguetá,
Por Pindamonhangaba
Por Jacarepaguá.
Depois, em Caçapava,
Um certo capitão
Vendeu-a como escrava
E foi pra correção!
Paraíba
Guaratiba,

Chapéu d'Uvas, Iguaçu,
Itaoca
Aiuroca
Tudo viu Maria Angu!
CORO - Paraíba, etc.

III

CHICA - Enfim, por toda a parte
Depois de muito andar,
Sem mais tirte nem guarte
Na corte foi parar;

Um barão com grandeza
Por ela se enguiçou,
E deu-lhe cama e mesa
No grande Hotel Ravot!
Arrogante, etc.

BARNABÉ - Tudo isso é muito bom, mas vamos, vamos, que se vai fazendo tarde! Eu sinto uma vontade de me casar...
VOZES (Fora.) - Viva o Imparcial! Viva Nhonhô Bitu!
TODOS - Que é isto?Que barulho é este?
CHICA - Ora o que há de ser?É o vagabundo do Nhonhô Bitu!
GUILHERME - Quê! pois já saiu da cadeia?...
TERESA - Ele para lá na prisão!...
CARDOSO - Não sei como diabo tece os pauzinhos! O Senhor Subdelegado, que não é para graças, manda prendê-lo todas as semanas, e daí a três dias aparece de novo o jornal!...
GAIVOTA - Mas por que o prendem?
CHICA - Pois não sabes que ele é republicano, e escreve artigos contra o Senhor Subdelegado, que faz o que entende? Manda quem pode! E a graça é que está proibida a leitura do Imparcial, sob pena de três dias de prisão e multa correspondente... a três meses!
BARNABÉ - Se esse pássaro de arribação se contentasse com escrever gazetas contra a autoridade, era bem bom, mas arrastar a asa à minha noiva!...
BOTELHO - Lá nesse ponto, Barnabé, podes estar sossegado.
GUILHERME - Ora adeus! cá estamos nós!
OS HOMENS - E também nós!
AS MULHERES - E então nós? e então nós?
BARNABÉ - Vocês tem razão, meus estimados sogros e sogras; quando uma rapariga tem tantos pais e tantas mães, não se deve temer um sedutor! (Rumor fora.)
BITU (Fora.) - Meu povo, daqui a nada aparece o Imparcial! A assinatura são cinco mil réis por trimestre, pagos adiantados! Número avulso, cem réis! (Entrando.) Daqui a pouco será distribuído o interessante e enérgico periódico o Imparcial! Vem descompostura bravia! Viva a liberdade de imprensa!
VOZES (Fora.) - Viva! viva!